Valdemar José dos Santos Filho
1 INTRODUÇÃO
A
característica principal da surdez é a perda leve, média, séria ou profunda da
audição.
Um dos
meios mais simples de compreender a música e expressar – se através dela é
mediante ao som.
Assim
sendo, a princípio, música e surdez se analisada pelo senso comum, ou somente
pela audição do indivíduo ouvinte, torna – se um paradoxo.
Para o
senso comum, ou a audição do indivíduo ouvinte, a música não pertence aos povos
surdos. Essa representação parece embutir a ideia de que, para ser musical, é
necessário ser ouvinte. Nesse enfoque, a apreciação e expressão musical, é
atributo de quem tem boa audição.
Para (HAGUIARA,
2003), a expressão e a musicalidade podem tomar outros rumos:
(...) Expressar a
própria musicalidade e sintonia com a música interna ou externa é uma
possibilidade do homem. Aqui a audição tem um valioso papel. No entanto,
enquanto função íntegra, não se pode afirmar que seja condição sine qua non
para que a manifestação da musicalidade possa ocorrer. (...)
(HAGUIARA,
Nadir C. A Musicalidade do Surdo: representação e estigma. São Paulo:
Plexus, 2003. pág. 79)
Este
trabalho será direcionado no sentido de entender a relação surdez música, e
como se da o processo de apreciação e expressão musical da pessoa com deficiência
auditiva.
Com a
compreensão de tal processo é possível realizar uma inclusão musical e social
com melhor qualidade para o indivíduo com surdez, possibilitando entender a
percepção musical do surdo como diferente do ouvinte, mas nem por isso menos
capaz.
2 METODOLOGIA
Esta
pesquisa foi dividida em duas partes: pesquisa bibliográfica e pesquisa de
campo.
A parte
bibliográfica esta baseada em bibliografias especializada nas áreas de
Necessidades Especiais (deficiência
auditiva), Fonoaudiologia, Musicoterapia e Música.
A pesquisa
de campo foi realizada fazendo uma observação ao Projeto Música do Silêncio. No
Conservatório Municipal de GUARULHOS, idealizado e dirigido pelo professor
FABIO BONVENUTO.
Foram
usadas gravações audiovisuais sobre o Projeto Música do Silêncio, transcrição
de entrevistas com os alunos e com o professor FABIO BONVENUTO e um vídeo
editado por Valdemar Santos, que será apresentado no dia da apresentação deste
trabalho.
3 RESULTADOS
3.1 Resultados da Pesquisa Bibliográfica
A descoberta da idade de início da surdez é importante para a formação
da identidade pessoal e social de cada indivíduo surdo, sendo assim essa idade
é dividida em dois tempos:
·
Surdez pré – locutiva: do nascimento aos três anos, ou seja, antes da
aquisição da fala.
·
Surdez pós – locutiva: a partir dos três anos, sendo assim,
posteriormente à aquisição da fala.
Outra classificação importante é quanto ao grau de perda da audição, que
pode ser; leve, média, séria ou profunda e é medida em relação a quantidade de
decibel (dB) que cada indivíduo
perde:
·
Perda Leve: de 20 a 40 dB
·
Perda Média: de 40 a 70 dB
·
Perda Séria: de 70 a 90 dB
·
Perda Profunda: acima de 90 dB
A Confederação de Executivos das Escolas Americanas, define o indivíduo
“Surdo”, como aquele que tem perda auditiva igual ou superior à 70 dB NA ( 70 Decibéis Nível de Audição ) (
HAGUIARA, 2003).
Segundo
(LOURO, 2006. pág. 56 – 57), alguns aspectos são essenciais na execução de
atividades musicais para surdos, esses aspectos envolvem o “Desenvolvimento Psicomotor”. São eles:
·
Esquema e imagem corporal: É a maneira de perceber, através das sensações, seu
próprio corpo; é o identificar e saber nomear as diversas partes do corpo.
·
Equilíbrio:
É a base primordial de toda coordenação geral, assim como de toda a ação
diferenciada dos membros superiores e do centro de gravidade. Combinação
perfeita de ações musculares com o propósito de sustentar o corpo sobre uma
base.
·
Tónus: É o
princípio organizador de toda atividade; contração e alongamento dos músculos,
estado de tensão / distensão das vísceras. É a partir do movimento que o
indivíduo descobre, utiliza e controla seu corpo.
·
Lateralidade: É o eixo imaginário que divide o corpo em duas partes semelhantes, mas
que não são iguais (consciência de direção – direita / esquerda).
·
Lateralização: É a dominância lateral da pessoa, construída por dados neurológicos
(hemisfério cerebral dominante) e hábitos sociais (destro ou canhoto).
·
Noção espacial: É a orientação do mundo exterior referindo – se primeiramente ao eu,
depois a outros objetos ou pessoas em posição estática ou em movimento.
·
Noção temporal: Capacidade de situar – se em função da sucessão de acontecimentos:
antes, depois e durante.
3.2 Resultados da Pesquisa de Campo
A pesquisa de campo foi realizada observando o Projeto Música do
Silêncio idealizado pelo professor FABIO BONVENUTO, junto as prefeituras de
Guarulhos e São Paulo, nos meses de novembro e dezembro de 2012.
3.3 Sobre o projeto Música do Silêncio
Em
entrevista realizada no dia 22 de novembro de 2012, o professor FABIO BONVENUTO
descreve como iniciou, em 2005 o projeto Música do Silêncio.
(...) Quando eu
comecei este projeto, fui buscar informações e encontrei um livro, “A
Musicalidade do Surdo: representação e estigma”, mas é um livro voltado à
questão clínica[1].
Onde encontrar
material voltado à questão prática ?
Foi ai que tive
contato com a produção musical de EVELYN GLEE, percussionista surda. EVELYN,
começou a perder a audição aos 8 anos, e ao 12 anos, já estava com perda
auditiva profunda – acima de 90 dB.
A observação ao
trabalho de EVELYN, me motivou em relação ao projeto Música do Silêncio. (...)
FABIO
BONVENUTO
Atualmente
o projeto é desenvolvido nas prefeituras de São Paulo e Guarulhos. Em 2013 os
alunos do projeto farão apresentações em Lisboa – Portugal, e em 2014, tocarão
na abertura de Copa do Mundo que será realizada no Brasil, sob regência do
professor e maestro FABIO BONVENUTO.
3.4 Resultados sociais que o projeto Música do Silêncio proporciona
O projeto
Música do Silêncio, é uma importante ferramenta para a inclusão social de
pessoas com deficiência auditiva.
(...) O aluno
começa percebendo as vibrações, e vai começando a distinguir som e silêncio.
Após isso ele segue observando a pulsação e os desenhos rítmicos (...)
FABIO
BONVENUTO
(...) O aprendizado
musical, ensina respeito ao grupo e cumprir metas. Numa banda musical, o aluno
aprende quando é a hora de tocar, de ficar em silêncio, a hora de tocar mais
forte, aprende a se organizar com o tempo, isso acontece no grupo e esse
aprendizado é levado e aplicado pelo surdo, no mercado de trabalho. (...)
(...) Muitos dos
meus alunos surdos que estudam música, quando vão para o mercado de trabalho,
os patrões chegam a falar que os alunos tem um desempenho superior nas
atividades. (...)
FABIO
BONVENUTO
Segundo
FABIO BONVENUTO, a música é uma qualificação humana e pode ser exercida por
qualquer pessoa.
4 DISCUSSÃO
“A Música tem o poder de
atuar intensamente no mundo interno da pessoa” (HAGUIARA, 2003), pode
ser a expressão e comunicação do Microcosmo através de sons para o Macrocosmo,
podendo ser expressa na forma animal, humana, astral e transcendental.
“A Música é uma antiga
sabedoria coletiva, cuja longa história se confunde com a das sociedade humanas”. (CANDÉ, 2001)
“Por que a música tem sido
sistematicamente retirada da vida do surdo, seja na escola ou no lar” ? (HAGUIARA, 2003)
Os principais fatores que contribuem para uma pessoa com surdez, em
diferentes graus de deficiência, não ter participação ativa nas atividades
musicais, se da por falta de conhecimento dos familiares, dos professores de
música e principalmente pela estigma da pessoa ouvinte que na maioria dos casos
acredita que música e surdez ainda é um paradoxo ou que música é um privilégio
apenas para o indivíduo ouvinte. Isso não é verdade.
KELVIN SANTOS MAGALHÃES, deficiente auditivo, aluno do projeto Música do
Silêncio, diz:
(...) É difícil
tocar, mas eu aprendo junto com todos os meus amigos. O que é bom. (...)
KELVIN
SANTOS MAGALHÃES
O processo de apreciação e expressão musical do indivíduo com surdez, é
baseado na percepção corporal, ou seja, é por meio dos movimentos corporais que
o indivíduo com surdez tem a possibilidade de apreciar e expressar – se
musicalmente.
É possível perceber isso com clareza no depoimento de FÁBIO ERICO ALVES
COELHO, aluno do projeto Música do Silêncio:
(...) O professor FÁBIO BONVENUTO pede para eu olhar e fazer igual, o
FABIO ensina e eu faço igual (...)
FÁBIO ERICO ALVES COELHO
Segundo (HAGUIARA, 2003), é possível ainda, que o indivíduo com perda
leve de audição, através do ritmo e melodia, tenha sua inteligibilidade da fala
melhorada, no que diz respeito ao ritmo e à entoação.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entender
como acontece o processo de apreciação e expressão musical do indivíduo com
surdez, é importante para construir uma forma mais adequada de compreensão da
musicalidade do surdo.
(...) Aceitar a surdez, acreditar no surdo e nas suas
possibilidades mostraram – se condições importantes para uma representação dele
como ser musical. A visão de homem e de mundo pode abrir ou fechar as portas da
música para o surdo. (...)
HAGUIARA,
Nadir C. A Musicalidade do Surdo: representação e estigma. São Paulo:
Plexus, 2003. pág. 203
Fica bem
explícito que através da música o indivíduo surdo pode expressar os estados
afetivos que os diferentes tipos de música sugerem; raiva, tristeza, alegria,
agressividade, tensão, luto, abandono, serenidade e êxtase.
Por fim, é
importante entender que a musicalidade não é privilégio do indivíduo ouvinte ou
de seres especiais, é uma possibilidade do ser humano. Pensar na musicalidade
para surdos, é revisar concepções já estabelecidas.
Pressupões
discutir, debater em todos os níveis sociais, novas possibilidades, novas
representações e novas concepções em relação à surdez e música.
6 BIBLIOGRAFIA
CANDÉ, Roland de. História Universal da Música. 2º ed.
Vol. 1 – São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 639.
--------------------------. História Universal da Música. 2º ed. Vol. 2 – São Paulo: Martins
Fontes, 2001. p. 507.
FINCK, Regina. Surdez e Música: será este um paradoxo?.
Trabalho apresentado no XVI Encontro Anual da ABEM e Congresso Regional da ISME
na América Latina, 2007. p. 8.
HAGUIARA, Nadir C. A Musicalidade do Surdo: representação e
estigma. São Paulo: Plexus,
2003. p. 207.
LOURO, Viviane S. Educação Musical e Deficiência: propostas
pedagógicas / Luís Garcia
Alonso, Alex Ferreira de Andrade. São José dos Campos: Estúdio Dois, 2006. p.
192.
MED, Bohumil. Teoria da Música. 4º ed. – Brasília:
Musimed, 1996. p. 420.
SILVA, Cristina S. Educação Musical para Surdos: Uma
experiência na Escola Municipal Rosa do Povo. Rio de Janeiro: Meloteca,
2011. p. 31.
[1] HAGUIARA, Nadir C. A
Musicalidade do Surdo: representação e estigma. São Paulo: Plexus,
2003. p. 2007.
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