Valdemar Santos NEVADA

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Diz o tolo em seu coração: " DEUS não existe".




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"A liberdade e o livre pensar sempre custaram muito caro nas sociedades ao longo da história humana."


Valdemar Santos NEVADA
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sexta-feira, 11 de julho de 2014

Pensamento sobre o conflito na região da Palestina

O ser humano é o único "animal" capaz de:

criar tecnologias;
dominar a natureza;
interagir com outras culturas;
locomover-se por terra, céu e mar;
apropriar-se de idiomas diversos a fim de facilitar a comunicação;

mas, por uma atitude que ao meu ver é típica de um "animal", prefere resolver todas as suas principais divergências culturais, econômicas e religiosas, com dois inventos de sua própria autoria:

as bombas; e,
as armas de fogo letais.

O ser humano é o único animal racional capaz de:

comportar-se como animal irracional.



 Valdemar Santos NEVADA, 11 de julho de 2014.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O processo de apreciação e expressão musical da pessoa com deficiência auditiva


Valdemar José dos Santos Filho

1        INTRODUÇÃO



A característica principal da surdez é a perda leve, média, séria ou profunda da audição. 

Um dos meios mais simples de compreender a música e expressar – se através dela é mediante ao som.

Assim sendo, a princípio, música e surdez se analisada pelo senso comum, ou somente pela audição do indivíduo ouvinte, torna – se um paradoxo.

Para o senso comum, ou a audição do indivíduo ouvinte, a música não pertence aos povos surdos. Essa representação parece embutir a ideia de que, para ser musical, é necessário ser ouvinte. Nesse enfoque, a apreciação e expressão musical, é atributo de quem tem boa audição.

Para (HAGUIARA, 2003), a expressão e a musicalidade podem tomar outros rumos:

(...) Expressar a própria musicalidade e sintonia com a música interna ou externa é uma possibilidade do homem. Aqui a audição tem um valioso papel. No entanto, enquanto função íntegra, não se pode afirmar que seja condição sine qua non para que a manifestação da musicalidade possa ocorrer. (...)

(HAGUIARA, Nadir C. A Musicalidade do Surdo: representação e estigma. São Paulo: Plexus, 2003. pág. 79)


Este trabalho será direcionado no sentido de entender a relação surdez música, e como se da o processo de apreciação e expressão musical da pessoa com deficiência auditiva.

Com a compreensão de tal processo é possível realizar uma inclusão musical e social com melhor qualidade para o indivíduo com surdez, possibilitando entender a percepção musical do surdo como diferente do ouvinte, mas nem por isso menos capaz.


2        METODOLOGIA



Esta pesquisa foi dividida em duas partes: pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo.

A parte bibliográfica esta baseada em bibliografias especializada nas áreas de Necessidades Especiais (deficiência auditiva), Fonoaudiologia, Musicoterapia e Música.

A pesquisa de campo foi realizada fazendo uma observação ao Projeto Música do Silêncio. No Conservatório Municipal de GUARULHOS, idealizado e dirigido pelo professor FABIO BONVENUTO.

Foram usadas gravações audiovisuais sobre o Projeto Música do Silêncio, transcrição de entrevistas com os alunos e com o professor FABIO BONVENUTO e um vídeo editado por Valdemar Santos, que será apresentado no dia da apresentação deste trabalho.

3        RESULTADOS


3.1      Resultados da Pesquisa Bibliográfica


A descoberta da idade de início da surdez é importante para a formação da identidade pessoal e social de cada indivíduo surdo, sendo assim essa idade é dividida em dois tempos:

·      Surdez pré – locutiva: do nascimento aos três anos, ou seja, antes da aquisição da fala.

·      Surdez pós – locutiva: a partir dos três anos, sendo assim, posteriormente à aquisição da fala. 

Outra classificação importante é quanto ao grau de perda da audição, que pode ser; leve, média, séria ou profunda e é medida em relação a quantidade de decibel (dB) que cada indivíduo perde:

·      Perda Leve: de 20 a 40 dB

·      Perda Média: de 40 a 70 dB

·      Perda Séria: de 70 a 90 dB

·      Perda Profunda: acima de 90 dB

A Confederação de Executivos das Escolas Americanas, define o indivíduo “Surdo”, como aquele que tem perda auditiva igual ou superior à 70 dB NA ( 70 Decibéis Nível de Audição ) ( HAGUIARA, 2003).

Segundo (LOURO, 2006. pág. 56 – 57), alguns aspectos são essenciais na execução de atividades musicais para surdos, esses aspectos envolvem o “Desenvolvimento Psicomotor”. São eles: 

·      Esquema e imagem corporal: É a maneira de perceber, através das sensações, seu próprio corpo; é o identificar e saber nomear as diversas partes do corpo.

·      Equilíbrio: É a base primordial de toda coordenação geral, assim como de toda a ação diferenciada dos membros superiores e do centro de gravidade. Combinação perfeita de ações musculares com o propósito de sustentar o corpo sobre uma base.

·      Tónus: É o princípio organizador de toda atividade; contração e alongamento dos músculos, estado de tensão / distensão das vísceras. É a partir do movimento que o indivíduo descobre, utiliza e controla seu corpo.

·      Lateralidade: É o eixo imaginário que divide o corpo em duas partes semelhantes, mas que não são iguais (consciência de direção – direita / esquerda).

·      Lateralização: É a dominância lateral da pessoa, construída por dados neurológicos (hemisfério cerebral dominante) e hábitos sociais (destro ou canhoto).

·      Noção espacial: É a orientação do mundo exterior referindo – se primeiramente ao eu, depois a outros objetos ou pessoas em posição estática ou em movimento.

·      Noção temporal: Capacidade de situar – se em função da sucessão de acontecimentos: antes, depois e durante.

3.2      Resultados da Pesquisa de Campo


A pesquisa de campo foi realizada observando o Projeto Música do Silêncio idealizado pelo professor FABIO BONVENUTO, junto as prefeituras de Guarulhos e São Paulo, nos meses de novembro e dezembro de 2012.

3.3      Sobre o projeto Música do Silêncio


Em entrevista realizada no dia 22 de novembro de 2012, o professor FABIO BONVENUTO descreve como iniciou, em 2005 o projeto Música do Silêncio.

(...) Quando eu comecei este projeto, fui buscar informações e encontrei um livro, “A Musicalidade do Surdo: representação e estigma”, mas é um livro voltado à questão clínica[1].
Onde encontrar material voltado à questão prática ?  
Foi ai que tive contato com a produção musical de EVELYN GLEE, percussionista surda. EVELYN, começou a perder a audição aos 8 anos, e ao 12 anos, já estava com perda auditiva profunda – acima de 90 dB.
A observação ao trabalho de EVELYN, me motivou em relação ao projeto Música do Silêncio. (...)
FABIO BONVENUTO

Atualmente o projeto é desenvolvido nas prefeituras de São Paulo e Guarulhos. Em 2013 os alunos do projeto farão apresentações em Lisboa – Portugal, e em 2014, tocarão na abertura de Copa do Mundo que será realizada no Brasil, sob regência do professor e maestro FABIO BONVENUTO.


3.4      Resultados sociais que o projeto Música do Silêncio proporciona


O projeto Música do Silêncio, é uma importante ferramenta para a inclusão social de pessoas com deficiência auditiva.

(...) O aluno começa percebendo as vibrações, e vai começando a distinguir som e silêncio. Após isso ele segue observando a pulsação e os desenhos rítmicos (...)
FABIO BONVENUTO



(...) O aprendizado musical, ensina respeito ao grupo e cumprir metas. Numa banda musical, o aluno aprende quando é a hora de tocar, de ficar em silêncio, a hora de tocar mais forte, aprende a se organizar com o tempo, isso acontece no grupo e esse aprendizado é levado e aplicado pelo surdo, no mercado de trabalho. (...)

(...) Muitos dos meus alunos surdos que estudam música, quando vão para o mercado de trabalho, os patrões chegam a falar que os alunos tem um desempenho superior nas atividades. (...)
FABIO BONVENUTO


Segundo FABIO BONVENUTO, a música é uma qualificação humana e pode ser exercida por qualquer pessoa.
 
  

4        DISCUSSÃO 

  

“A Música tem o poder de atuar intensamente no mundo interno da pessoa” (HAGUIARA, 2003), pode ser a expressão e comunicação do Microcosmo através de sons para o Macrocosmo, podendo ser expressa na forma animal, humana, astral e transcendental. 

“A Música é uma antiga sabedoria coletiva, cuja longa história se confunde com a das sociedade humanas”. (CANDÉ, 2001)

“Por que a música tem sido sistematicamente retirada da vida do surdo, seja na escola ou no lar” ? (HAGUIARA, 2003)

Os principais fatores que contribuem para uma pessoa com surdez, em diferentes graus de deficiência, não ter participação ativa nas atividades musicais, se da por falta de conhecimento dos familiares, dos professores de música e principalmente pela estigma da pessoa ouvinte que na maioria dos casos acredita que música e surdez ainda é um paradoxo ou que música é um privilégio apenas para o indivíduo ouvinte. Isso não é verdade.

KELVIN SANTOS MAGALHÃES, deficiente auditivo, aluno do projeto Música do Silêncio, diz:

(...) É difícil tocar, mas eu aprendo junto com todos os meus amigos. O que é bom. (...)
KELVIN SANTOS MAGALHÃES

O processo de apreciação e expressão musical do indivíduo com surdez, é baseado na percepção corporal, ou seja, é por meio dos movimentos corporais que o indivíduo com surdez tem a possibilidade de apreciar e expressar – se musicalmente.

É possível perceber isso com clareza no depoimento de FÁBIO ERICO ALVES COELHO, aluno do projeto Música do Silêncio:

(...) O professor FÁBIO BONVENUTO pede para eu olhar e fazer igual, o FABIO ensina e eu faço igual (...)
FÁBIO ERICO ALVES COELHO

Segundo (HAGUIARA, 2003), é possível ainda, que o indivíduo com perda leve de audição, através do ritmo e melodia, tenha sua inteligibilidade da fala melhorada, no que diz respeito ao ritmo e à entoação.


5        CONSIDERAÇÕES FINAIS 

 

Entender como acontece o processo de apreciação e expressão musical do indivíduo com surdez, é importante para construir uma forma mais adequada de compreensão da musicalidade do surdo.

(...) Aceitar a surdez, acreditar no surdo e nas suas possibilidades mostraram – se condições importantes para uma representação dele como ser musical. A visão de homem e de mundo pode abrir ou fechar as portas da música para o surdo. (...)

HAGUIARA, Nadir C. A Musicalidade do Surdo: representação e estigma. São Paulo: Plexus, 2003. pág. 203

Fica bem explícito que através da música o indivíduo surdo pode expressar os estados afetivos que os diferentes tipos de música sugerem; raiva, tristeza, alegria, agressividade, tensão, luto, abandono, serenidade e êxtase. 

Por fim, é importante entender que a musicalidade não é privilégio do indivíduo ouvinte ou de seres especiais, é uma possibilidade do ser humano. Pensar na musicalidade para surdos, é revisar concepções já estabelecidas. 

Pressupões discutir, debater em todos os níveis sociais, novas possibilidades, novas representações e novas concepções em relação à surdez e música.

6        BIBLIOGRAFIA


CANDÉ, Roland de. História Universal da Música. 2º ed. Vol. 1 – São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 639.

--------------------------. História Universal da Música. 2º ed. Vol. 2 – São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 507.

FINCK, Regina. Surdez e Música: será este um paradoxo?. Trabalho apresentado no XVI Encontro Anual da ABEM e Congresso Regional da ISME na América Latina, 2007. p. 8.

HAGUIARA, Nadir C. A Musicalidade do Surdo: representação e estigma. São Paulo: Plexus, 2003. p. 207.

LOURO, Viviane S. Educação Musical e Deficiência: propostas pedagógicas / Luís Garcia Alonso, Alex Ferreira de Andrade. São José dos Campos: Estúdio Dois, 2006. p. 192.

MED, Bohumil. Teoria da Música. 4º ed. – Brasília: Musimed, 1996. p. 420.

SILVA, Cristina S. Educação Musical para Surdos: Uma experiência na Escola Municipal Rosa do Povo. Rio de Janeiro: Meloteca, 2011. p. 31.



[1] HAGUIARA, Nadir C. A Musicalidade do Surdo: representação e estigma. São Paulo: Plexus, 2003. p. 2007.

Uma análise histórica das influências da cultura dos povos de matriz africana sobre a identidade musical brasileira



Artigo Publicado nos Anais do XXVII Simpósio Nacional de História - ANPUH Brasil. Trabalho Apresentado na Sessão dos Graduandos em 2013 e publicado em 2014.


VALDEMAR JOSÉ DOS SANTOS FILHO[*]


1. Origens
Segundo (HARRIS; 2010, p. 135.), “a tomada de Ceuta pelos portugueses, em 1415, inaugurou a era de penetração europeia no continente africano. Em 1435, os portugueses alcançaram o Senegal e, em 1483, o Congo.” Ainda, segundo o mesmo autor, a partir de 1441, houve deportação de africanos para Lisboa, marcando assim o prelúdio da imigração forçada de africanos, ou seja, do tráfico negreiro que continuaria até a época moderna.
O professor de História da Universidade John Hopkins de Baltimore, Franklin Knight, afirma que em virtude de sua amplitude, a imigração forçada dos africanos rumo às Américas, ao Oriente Médio e à Europa, constituiu um dos acontecimentos dominantes da História da África e do Mundo.
Segundo (ROSA; 2008, p. 5.), foram trazidos, escravizados, para o Brasil, mais de quatro milhões de africanos oriundos de vários reinos e monarquias tribais.
Da Região Sudanesa, vieram os Edos ou Binis do Reino de Benin (que existiu onde hoje é a Nigéria), os Fons do Reino de Daomé (onde hoje se localiza a República do Benin), os Iorubas do Império de Oyó, vizinho à oeste do Reino de Benin (portanto também localizado onde hoje é a Nigéria).
O território da Região Sudanesa, segundo (CASTRO; 2005, p. 37–38.), compreende os países “localizados ao longo da costa atlântica ocidental africana, que vai do Senegal até o Golfo de Benim, na Nigéria”: Senegal, Gâmbia, Guiné Bissau, Guiné Conacri, Serra Leda, Libéria, Burquina–Fasso, Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim e Nigéria.
Da Região Banta, área abaixo da linha do equador, vieram principalmente, de Angola e do Congo, os povos Bantos. 
Sobre os povos Bantos, Yeda Pessoa de Castro, diz o seguinte:
(...) Para o Brasil, entre outras evidências, sua importância histórica reflete–se nos autos populares denominados de Congos e Congadas, que tem larga distribuição geográfica no país e nos quais se guarda a lembrança do Manicongo, título que era atribuído aos Reis do Congo (...) ( CASTRO; 2005, p. 35.)


O território da Região Banta, segundo (CASTRO; 2005, p. 25.), engloba países da África Central, Oriental e Meridional: República Centro–Africana, Camarões, Guiné Equatorial, Gabão, Angola, Namíbia, República Popular do Congo (Congo–Brazzaville), República Democrática do Congo (RDC ou Congo–Kinshasa), Zâmbia, Burundi, Ruanda, Uganda, Quênia, Malaui, Zimbábue, Botsuana, Lezoto, Moçambique e África do Sul.
(...) Todavia, os africanos da diáspora não puderam livrar–se da influência do ambiente físico e social do lugar para onde haviam sido transportados. Sua língua e seus costumes mudaram, seus valores e objetivos transformaram – se (...) (HARRIS; 2010, p. 153.)


2. Influências
O Brasil, segundo (MOURA; 1986, p. 12–13.), foi o último país do mundo a abolir a escravidão negra. “A nossa estrutura social ainda é entravada no seu dinamismo em diversos níveis pelo grau de influência que as antigas relações escravistas exerceram no seu contexto”.
A tradição e cultura dos africanos escravizados, deixaram marcas importantes para o desenvolvimento da identidade das manifestações culturais, artísticas e musicais da população brasileira podendo ser percebida, por exemplo, através dos instrumentos e ritmos utilizados e tocados até os dias atuais, porque o povo aprende e assimila as manifestações culturais de forma natural e transmite esse aprendizado nas mais variadas formas de expressão.
De acordo com (TINHORÃO; 2008, p. 32.), é possível que os escravos trazidos da África, participavam nos séculos XVI e XVII, de manifestações musicais particulares de brancos europeus que eram realizadas fora dos padrões impostos pelos jesuítas e pelas festas presas ao calendário religioso.
Os negros escravizados trazidos da África e crioulos[2], também organizavam suas festas em horários e dias de folga, onde cantavam, tocavam seus instrumentos e dançavam. Essas manifestações de negros e crioulos, segundo a denominação de José Ramos Tinhorão, era conhecida pelos brancos como “batuques”.
(...) Na verdade, tal como o exame mais atento das raras informações sobre essas ruidosas reuniões de africanos e seus descendentes crioulos deixa antever, o que os portugueses chamaram sempre genericamente de batuques não configurava um baile ou um folguedo, em si, mas uma diversidade de práticas religiosas, danças rituais e formas de lazer. (...) (TINHORÃO; 2008, p. 55.)

O crescimento das manifestações de negros e crioulos, chamou a atenção dos brancos e europeus, a princípio, das camadas mais baixas das cidades e vilas e estes começaram a participar das manifestações conhecidas como batuques.
A participação dos brancos e europeus, segundo (TINHORÃO; 2008, p. 60.),  incorporou aos batuques, novos instrumentos, coreografias, cantos e estilos de danças e deram origem a diversos outros tipos de manifestações, cantos e danças tais como: Fofa, Lundu, Fado, Bumba–meu–Boi, Capoeira, Jongo, Coco, Tambor de Crioula, o Samba e suas diversas variações, as Festas de Coroação de Reis Congos: Taieira, Congada, Maracatu, Cacumbi, Ticumbi e Moçambique. Todas essas manifestações são derivadas das umbigadas.
A umbigada era parte da coreografia dos batuques, era o movimento corporal que caracterizava várias manifestações de folguedos (brincadeira, divertimento, festa ou dança popular de cunho folclórico ou religioso) e rituais de negros, crioulos e mestiços. A seguir uma descrição de umbigada:
(...) onde os dançarinos ( homens e mulheres ) aproximavam–se de frente um para o outro, tremelicando o corpo apenas da cintura para baixo, para culminar no tal contato “imodesto”, ante os aplausos e gritos de estímulos dos presentes. Era esse aproximar dos ventres que permitia a aplicação quase imperceptível, da umbigada, traduzida da espécie de choque elétrico simulado, ao contato dos corpos, e que levava os dançarinos a pularem para trás, em salto simultâneo (...)
(TINHORÃO; 2008, p. 67)


3. Novas reflexões
Segundo (SOUZA; 2002, p. 127–128.), a partir dos anos 1970, os sistemas sociais e religiosos, criados pelas comunidades negras no Brasil e nas Américas têm atraído a atenção dos pesquisadores que buscam fazer conexões entre as culturas de origem dos escravos trazidos para as Américas e as culturas produzidas nas novas situações. Marcos Napolitano, afirma que “os trabalhos que tratam a música popular como fonte ou objeto tem crescido exponencialmente na área de história, desde os anos 1990” (NAPOLITANO; 2007, p. 154.).
Procuraremos analisar o “fluxo” (nome dado ao funk carioca nas periferias de São Paulo), como uma das formas de cultura popular produzida nas novas situações, o que passaremos a discutir agora.
Mesmo que, ao se falar em funk, pensamos logo em James Brown[3], o funk carioca é bem diferente do estilo musical difundido pelo norte–americano citado.
Segundo (WOGEL; 2007, p. 166.), o funk carioca, surgi no Rio de Janeiro nos anos 1980, e caracteriza–se por ter conquistado a juventude pobre e suburbanas dos morros das grandes cidades.

Com influência do “freestyle music[4]” (estilo musical tipicamente norte–americano dos anos 1980 e 1990), os DJs  cariocas, foram buscando novos ritmos, deixaram de tocar as músicas com letras em inglês e passaram a mixar as músicas com letras em português e aos poucos foram criando o que hoje é conhecido como funk carioca, batidão ou pancadão no Rio de Janeiro,  e como pancadão ou fluxo em São Paulo. (VIANNA; 1990, p. 247–248.)
A partir dos anos 1990, surge o “funk melody” (com músicas mais melódicas e temas românticos e que segue mais fielmente a linha musical do freestyle). O funk melody é apontado pelos DJs cariocas como sendo a segunda fase do funk carioca. Claudinho e Buchecha, entre outros, tornaram–se referências neste estilo de funk carioca. Paralelamente a tudo isso, traficantes dos diversos morros patrocinavam e divulgavam em suas festas nas comunidades, outra vertente do funk carioca, que é conhecido nas comunidades como funk proibidão. O funk proibidão ou somente proibidão, tem suas letras voltadas para a apologia ao tráfico de drogas, uso de armas de fogo depreciação da figura feminina e maior veemência ao sexo explícito. (op. cit., p. 247–248.)
O funk carioca chega à São Paulo e a outros estados brasileiros como Minas Gerais, a partir dos anos 1990, principalmente através da internet e de programas de Tv como o Xuxa Park, apresentado pela Xuxa. (WOGEL; 2007, p. 167.)
Diferente das manifestações culturais musicais que surgiram ainda no Brasil Colonial, como derivados dos batuques de negros e que permanecem ainda hoje sendo presenciados em diversas comunidades espalhadas pelo Brasil, o atual funk carioca, segue outros caminhos musicais.
Uma das características musical deste estilo, é o fato de a música ser quase que na íntegra, eletrônica, e aos ritmos e sonoridades eletrônica, são acrescentadas as vozes dos DJs. Essa característica, provavelmente acontece devido ao estilo musical funk carioca, ter surgido no final do século XX e início do século XXI, portanto, com forte influência da era digital.
As manifestações culturais derivadas dos batuques que ainda permanecem na atualidade tais como: Bumba–meu–Boi, Capoeira, Jongo, Coco, Tambor de Crioula, o Samba e as diversas Festas de Coroação de Reis, mesmo na atualidade, contam com a participação de músicos profissionais ou amadores que participam das manifestações culturais, festas, celebrações e rituais, nas diversas comunidades, usando instrumentos musicais acústico ou objetos que tem a função de instrumento musical.
Outra característica é que o texto, é quase que falado e não cantado de forma melódica[5], com exceção do funk melody que é a única versão do estilo funk carioca que conta necessariamente com uma melodia.  Tanto o funk melody quando os demais estilos de funk carioca, não requer, obrigatoriamente, uma rima em seu texto.
Pela ausência da melodia, na maioria das músicas ao estilo funk carioca, torna–se mais evidente o caráter rítmico da música, que é embalada pelo ostinato[6] das batidas eletrônicas. 
Há ainda outras observações musicais sobre o estilo musical funk carioca, mas que não cabem no presente trabalho, por ser este, um trabalho voltado à análise e discussão histórica e social e não especificamente musical.
A visão dos diversos setores da atual sociedade carioca e paulistana, que são contrários ao movimento funk, são diretamente influenciados pelas concepções geradas a partir dos conceitos ou até preconceitos, formados a partir da visão religiosa, eurocêntrica e com base nas tradições do período escravista.
A permanecia destes conceitos ou preconceitos, pode ser observada por exemplo, na fala de Caio Prado Júnior. Mesmo sendo um grande intelectual brasileiro, militante político filiado e eleito deputado estadual em São Paulo nos anos 1947 pelo Partido Comunista do Brasil, em sua obra Formação do Brasil Contemporâneo, o autor reflete uma visão um tanto preconceituosa quando se trata das camadas sociais e etnias menos favorecidas da sociedade que compõem a sociedade brasileira.
(...) Foram eles os indígenas da América e o negro africano, povos de nível cultural ínfimo, comparado ao de seus dominadores. (...) A contribuição do escravo preto ou índio para a formação brasileira, é além daquela energia motriz quase nula. Não que deixasse de concorrer, e muito para a nossa “cultura”, no sentido amplo em que a antropologia emprega a expressão (...) O cabedal de cultura que traz consigo da selva americana ou africana, e que não quero subestimar, é abafado, e se não aniquilado, deturpa–se pelo estatuto social, material e moral a que se vê reduzido seu portador (...) Age mais como fermento corruptor da outra cultura, a do senhor branco que se lhe sobrepõe (...) E a esta passividade aliás das culturas negras e indígenas no Brasil que se deve o vigor que a do brando se impôs e predominou inconteste (...)  (PRADO; 2004, pp. 271–273.)

A visão que Caio Prado nos mostra, neste recorte de sua obra Formação do Brasil Contemporâneo, ao tratar da organização social, pode ser observada em diversos setores da atual sociedade paulista, em relação ao fluxo e pode ser comparada com a visão eurocêntrica  que a sociedade colonial, imperial e republicana tinham em relação aos batuques de negros já a partir do século XVI.
Em São Paulo, assim como no Rio de Janeiro, as festas ou bailes funk, são realizados a céu aberto, durante o dia ou pelas madrugadas, nas ruas das comunidades, principalmente nas periferias. Vamos a reflexão de José Ramos Tinhorão para analisar este contexto.
(...) Quando, afinal, pelo correr do século XVIII, as autoridades começaram a distinguir nessas reuniões à base de danças, cantos e ritmos de percussão o que era culto religioso daquilo que constituía apenas ritos da vida social ou mera diversão para os escravos, os campos começaram a ser delineados. E, assim, ao mesmo tempo que as cerimônias religiosas a ser realizadas em locais abertos e às escondidas na mata, (...) os batuques da área urbana ou da periferia dos núcleos povoados da zona rural puderam ganhar, afinal, o caráter oficialmente reconhecido de local de diversão. (...) (TINHORÃO; 2008, p. 55.) 

Outra prática comum  nos fluxos, é o uso pelos frequentadores de roupas e calçados de marcas famosas, joias e muita bebida alcoólica mesmo pelos jovens menores de idade. O Jornalista Yuri de Castro, em colaboração para a Folha de São Paulo, dia 13 de janeiro de 2013, diz o seguinte: “Em São Paulo, o funk passou a escancarar os desejos de consumo em letras e batidas que dominam os celulares, e sons de carro. É o chamado funk ostentação” (CASTRO; 2013, FOLHA de S. PAULO, versão digital, p. 1.) 
Essa prática também pode nos remeter às tradições herdadas do período escravista, e é o que afirma Emília Viotti da Costa em, Da Senzala à Colônia:
(...) O pouco dinheiro que o escravo conseguia acumular em horas de trabalho domingueiro, vendendo o produto de suas pequenas roças, ou que recebia como presente do senhor, gastava em fumo, bebida, bugigangas e roupas. Talvez, dai, nos venha, em parte, esse gosto de ostentar roupas, de avaliar os indivíduos pela maneira de trajar, como também a preocupação, entre negros e mulatos, de se vestirem bem. Podem morar mal e comer pior, mas se preocupam em manter cuidada a roupa. (...) (COSTA; 1998, p. 197.)

Uma das críticas feroz que, regularmente é feita ao fluxo, é  de ordem moral e está relacionada diretamente às letras das músicas e as danças do funk divulgados nos fluxos. A seguir, um relato atual sobre o Fluxo:
(...)Madrugada de sábado em São Paulo. A trilha é de batidas fortes, graves, africanas, corpos se movem na pista, o clima é de pegada. Mas ela não beija nem pega geral. Ela quer dançar. Bumbum para o alto e para baixo, para a frente e para trás, mãos nos joelhos, calça agarrada, suor escorrendo na pele. Os homens pouco se movimentam, observam com lascívia e imaginam se ela faz tudo isso na hora H, embalados pelas letras que narram as sacanagens que permeiam o encontro. (...)
(KWIEZYNSKI; 2009, Revistatrip.uol.com.br, n 175, versão digital.)

O relato de Tatiana Ivanovici Kwiezynsky, de 2009, falando sobre o Fluxo, pode ser comparado a dois relatos dos séculos XVIII e XIX. 
Um dos relatos é de Dumouriez, militar francês espião de Luiz XV, que em 1765, descreve a Fofa, um dos derivados dos batuques, como:
(...) dançada a dois, como no fandango ao som de viola mal tocada, os movimentos extremamente indecentes, imitam de perto o movimento do orgasmo, e o dançarino geralmente acrescenta aos meneios gestos obscenos e palavras lúbricas que divertem o público (...) (DUMOURIEZ; 1775 apud TINHORÃO; 2008, p. 62)

O segundo relato, é de Alfredo de Sarmiento, 1880, falando sobre os batuques em seu Os Sertões d’ África: apontamentos de viagem. Seu relato tem o seguinte teor:
(...) Como já disse, os cantares que acompanham estas danças lascivas, são sempre imorais e até mesmo obscenos, histórias de amores descritas com a mais repelente e impudica nudez. (...) (SARMIENTO; 1880 apud op. cit., p. 57.)

Os relatos de Tatiana Ivanovici Kwiezynsky, Dumouriez e Alfredo de Sarmiento, apesar de estarem separados por mais de um século cada, caminham juntos, basicamente com a mesma visão em relação as manifestações culturais de matriz africana.
É extremamente importante verificarmos de que forma, manifestações culturais contemporâneas urbanas como o caso do fluxo em São Paulo, seguem na atualidade, como permanência das tradições dos batuques dos povos de matriz africana e como os diversos setores da atual sociedade brasileira encara essas atuais manifestações. Marcos Napolitano afirma que “nossa vida cultural, a se julgar pelos debates musicais, pode ser mais orgânica do que parece”. (NAPOLITANO; 2008, p. 249.)
Será que ainda permanecem as visões sociais eurocêntricas e religiosas em relação as novas formas de manifestações culturais ?
Qual será a visão das camadas sociais dominantes na nossa atual sociedade brasileira, em relação a cultura produzida nas periferias das camadas dominadas?
 (...) Essa espécie de vergonha da própria realidade, desenvolvendo–se principalmente entre as camadas de classe média com caráter de autêntico complexo de subdesenvolvimento, conduz, assim, a uma progressiva perda ou desestruturação da identidade cultural. (...) (TINHORÃO; 1998, p. 11.)

Uma análise sob essas perspectivas, nos possibilita entender quais são os anseios de nossa juventude, quais as formas que as comunidades periféricas usam para expressar–se, possibilitando assim, a transposição das “barreiras invisíveis” que existem entre à “Casa Grande e a Senzala da modernidade”, nos grandes centros metropolitanos brasileiro, possibilitando o melhor entendimento de nossa atual sociedade.


BIBLIOGRAFIA

CASTRO, Yeda Pessoa de. Falares Africanos na Bahia: um vocábulo Afro–Brasileiro. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005. 366 p.

CASTRO, Yuri de. Funk Paulista vira fenômeno no YouTube. São Paulo: FOLHA de S. PAULO, 2013, versão digital, não paginado, acessado em 23 de março de 2013 e disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1208770-funk-paulista-vira-fenomeno-no-youtube

COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia. 4. ed. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. 570 p.

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[*] FACULDADE SUMARÉ – São Paulo / SP.
Autor: Valdemar José dos Santos Filho, 2013. Orientação de Pesquisa / Iniciação Científica: Professora Doutora Silene Ferreira Claro.

[2] O termo crioulos, é usado por José Ramos Tinhorão em suas obras, para identificar os negros escravizados nascidos no Brasil.

[3] James Brown foi cantor, produtor musical, compositor e irreverente performer norte–americano a partir dos anos 1960, também conhecido como godfather of soul music (padrinho do soul music, outro estilo musical norte–americano). James Brown é apontado como um dos precursores do funk music norte–americano. 

[4] Freestyle music, é uma forma de dançar livre. Os dançarinos improvisam passos, gestos e acrobacias com total liberdade de criação coreográfica. O estilo surgiu entre a população negra das metrópoles norte–americana a partir do final dos anos 1970, os passos de dança realizados nas ruas acompanhavam o ritmo das músicas ao estilo rap. 

[5] Melodia: conjunto de sons disposto em ordem sucessiva. Geralmente esse conjunto de sons é agradável aos ouvidos e torna–se característico de que tem o emite. 
Os sons emitidos pelos pássaros podem ser bons exemplos de melodia, são emitidos de maneira sucessiva formando uma melodia musical e são característico de cada espécie.

[6] Ostinato: em música, ostinato é a repetição contínua de algum padrão, seja ele rítmico ou melódico. No caso do funk carioca, essa repetição se da nas batidas rítmicas eletrônicas.

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